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Seu corpo, suas regras, seu sexting

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Por Verónica Ferrari*, coletiva Acoso.Online | #Boletim17 — Antivigilância

A palavra sextingsegundo Danah Boyd, surge originalmente para se referir ao ato de compartilhar imagens explicitamente sexuais através de mensagens de texto. Agora, sextingsignifica enviar e/ou receber fotos e/ou vídeos sexuais através de qualquer meio digital. A pesquisadora Amy Hasinoff fez uma análise crítica de como a questão do sexting foi abordada principalmente nos Estados Unidos e afirma que tanto os meios de comunicação quanto os legisladores e responsáveis pelas políticas públicas geraram um certo pânico com respeito a essa prática, em particular quando quem a realiza são adolescentes mulheres. Na contramão do sexting panic, Hasinoff diz que o sexting deve ser pensado como uma questão de consentimento e privacidade.

O direito à privacidade é reconhecido por diferentes instrumentos internacionais. O UNICEF, em um trabalho sobre direitos digitais das crianças aponta que, por um lado, a privacidade tem a ver com a capacidade das pessoas de tomar decisões de maneira autônoma. Logo, segundo o UNICEF, temos a privacidade de informações mais vinculada à proteção de dados e informação pessoal. Por último, aparece a privacidade vinculada à proteção da integridade física e, entre outras coisas, da vida sexual. O sexting põe em jogo todas essas dimensões da privacidade.

Se o outro ponto chave para pensar o sexting está relacionado com consentimento, é muito importante distinguir sexting como expressão da sexualidade de distribuição sem consentimento de imagens sexuais ou de tom erótico (também conhecida como “pornografia não consentida”). A última é uma forma de violência online que busca humilhar e/ou extorquir a vítima, geralmente mulheres e adolescentes. Não diferenciar estas duas práticas pode levar, segundo Hasinoff, ao pânico por parte dos responsáveis por buscar soluções.

O que os legisladores, responsáveis por políticas públicas, educadores e plataformas deveriam fazer quanto ao sexting? Como dizíamos, não diferenciar entre sexting e pornografia não consentida pode levar a medidas superprotetoras que desincentivam o exercício do sexting. Por exemplo: no México, o país latino-americano onde as pessoas adolescentes mais praticam sexting, segundo pesquisa realizada pelo Google e organismos públicos, a campanha “Pensar antes de sextear” é um exemplo de discurso proibitivo e que vincula o sexting a um delito.

No entanto, os Estados têm obrigação de respeitar, proteger e garantir a privacidade, a expressão e a integridade das pessoas adolescentes. É isso que afirmam, entre outros instrumentos, a Convenção Americana de Direitos Humanos, a Convenção Interamericana para Prevenir, Sancionar e Erradicar a Violência contra a Mulher e a Convenção Internacional sobre Direitos das Crianças (que considera criança todas as pessoas menores de 18 anos). A distribuição de imagens sexuais sem consentimento como forma de violência atenta contra esses direitos e, por isso, os Estados têm o dever de fazer algo a respeito, obviamente sem usar isso como uma desculpa para censurar conteúdos legítimos na internet.

Além disso, as plataformas digitais através das quais esses conteúdos são compartilhados, difundidos e publicados também têm responsabilidade com respeito aos direitos humanosdas pessoas que as utilizam. Devem, portanto, considerar os riscos, impactos e possíveis vulnerabilidades no que tange direitos humanos e implementar ações para reduzir e mitigar esses riscos.

Não existe uma solução única para lidar com as complexidades do tema, ainda mais quando há pessoas menores de idade envolvidas. Nós do Acoso.Online temos um projeto que busca dar respostas e ferramentas úteis a mulheres e adolescentes vítimas da publicação não consentida de imagens sexuais e que vivem na América Latina e propomos uma abordagem que contempla quatro eixos:

  • As respostas do Estado. Como dissemos, as políticas e ações relacionadas ao sextingnão devem seguir a via da proibição, criminalização ou superproteção que subestima a decisão das adolescentes. Mas é fundamental que os Estados implementem ações contra a pornografia não consentida enquanto forma de violência de gênero online e conduta que afeta os direitos humanos. Além disso, essas respostas devem estar baseadas em dados e evidências (as pesquisas e estatísticas sobre o tema ainda são escassas na região) e elaboradas de maneira que não gerem censura online.
  • As políticas do setor privado. As plataformas privadas da internet não têm uma fórmula clara ou solução ideal para abordar as complexidades do sexting e as imagens sexuais e de nus em seus termos e condições. Isso se torna ainda mais complexo quando há pessoas menores de idade envolvidas. Nós da Acoso.Online acreditamos que o setor deve responder às pessoas que utilizam seus serviços pondo em prática medidas para reduzir os riscos aos direitos humanos. Na atualidade, existem ferramentas específicas para denunciar esses conteúdos perante as plataformas, mas ainda há muito a ser feito, por exemplo, em termos de campanhas educacionais e de alerta que tenham um olhar de acordo com as realidades das adolescentes e que não repitam padrões de gênero conservadores.
  • As respostas das nossas comunidades. A difusão de pornografia não consentida é uma forma de violência online e não deve ser tolerada. É necessário proteger a vítima, não culpabilizá-la, além de abrir instâncias de diálogo em instituições educativas sobre violência de gênero e, em particular, sobre pornografia não consentida. Os educadores e educadoras deveriam trabalhar para fortalecer a capacidade de adolescentes para que, de maneira voluntária, possam consentir ou negar o sexting como qualquer outra prática sexual.
  • Segurança digital e relação crítica com a tecnologia. Por último é fundamental que as adolescentes tomem o controle das tecnologias digitais que usam e da sua informação contida nelas. Para isso, podem usar aplicativos que ofereçam maior segurança, usar senhas fortes e criptografia e anonimizar as fotos íntimas, entre outras medidas.

Como conclusão, a questão é mudar o eixo da discussão e deixar de se preocupar com o sexting como problema moral. As soluções devem conduzir ao fortalecimento a privacidade dos e das adolescentes em ambientes digitais e sua capacidade de decidir e consentir em vez de tender à proibição. Devem se ocupar da difusão não consentida de imagens sexuais como uma questão de política pública no que tange os direitos fundamentais.

*Verónica Ferrari é pesquisadora e consultora em temas de políticas digitais, direitos humanos, tecnologia e gênero. Atualmente, e entre outras coisas, coordena os conteúdos legais e judiciais da Acoso.Online.